segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Há alguns anos, numa grande enchente na Argentina um anônimo escreveu isto:

COMEÇAR DE NOVO

Eu tinha medo da escuridão...
Até que as noites se fizeram longas e sem luz,
Eu não resistia ao frio facilmente...
Até passar a noite molhado numa laje,
Eu tinha medo dos mortos...
Até ter que dormir num cemitério,
Eu tinha rejeição por quem era de Buenos Aires...
Até que me deram abrigo e alimento,
Eu tinha aversão a Judeus...
Até darem remédios aos meus filhos,
Eu adorava exibir a minha nova jaqueta...
Até dar ela a um garoto com hipotermia,
Eu escolhia cuidadosamente a minha comida...
Até que tive fome,
Eu desconfiava da pele escura...
Até que um braço forte me tirou da água,
Eu achava que tinha visto muita coisa...
Até ver meu povo perambulando sem rumo pelas ruas,
Eu não gostava do cachorro do meu vizinho...
Até naquela noite eu o ouvir ganir até se afogar,
Eu não lembrava dos idosos...
Até participar dos resgates,
Eu não sabia cozinhar...
Até ter na minha frente uma panela com arroz e crianças com fome,
Eu achava que a minha casa era mais importante que as outras...
Até ver todas cobertas pelas águas,
Eu tinha orgulho do meu nome e sobrenome...
Até a gente se tornar todos seres anônimos,
Eu não ouvia rádio...
Até ser ela que manteve a minha energia,
Eu criticava a bagunça dos estudantes...
Até que eles, às centenas, me estenderam suas mãos solidárias,
Eu tinha segurança absoluta de como seriam meus próximos anos...
Agora nem tanto,
Eu vivia numa comunidade com uma classe política...
Mas agora espero que a correnteza tenha levado embora,
Eu não lembrava o nome de todos os estados...
Agora guardo cada um no coração,
Eu não tinha boa memória...
Talvez por isso eu não lembre de todo mundo,
Mas terei mesmo assim o que me resta de vida para agradecer a todos.
Eu não te conhecia...
Agora você é meu irmão,
Tínhamos um rio....
Agora somos parte dele,
É de manhã, já saiu o sol e não faz tanto frio,
Graças a Deus !!!
Vamos começar de novo.

Anônimo
Fonte: e-mail de Tânia Gurgel

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